As Yersinioses como Causa de Ileites Terminais

1.1. A detecção de uma inflamação no ileon terminal em indivíduos sintomáticos tem levado a diagnósticos apressados de doença de Crohn. Um reduzido número de doentes com uma ileíte terminal isolada desenvolve esta doença. De facto, de 108 doentes com uma ileíte terminal definida pela evidência histológica de infiltração neutrofílica sem abcessos das criptas, linfoplasmocitose ou granulomas apenas 5 vieram a desenvolver um Crohn pese embora que os doentes tenham sido seguidos por uma mediana de 54.7 meses.

1.2. Outros acham que o diagnóstico de Crohn neste contexto (ileíte terminal isolada efectuada detectada numa endoscopia digestiva baixa pela presença de úlceras aftoides ou não aftoides ou erosões ou em que se encontrou uma mucosa nodular, edematosa ou eritematosa sem compromisso da válvula ileocecal ou do colon) se poderia realizar em 34% dos casos. Saliente-se que as biopsias obtidas no decurso da ileoscopia inicial são em mais de 74% dos casos não especificas. Neste contexto requer-se o estudo do delgado por videocápsula mormente nos casos em que a calprotectina seja superior a 100 ug por g de fezes. Estes autores acham que os doentes do estudo anterior realizaram poucos estudos complementares que permitissem a exclusão da doença embora se deva dizer que os doentes têm um tempo considerável de seguimento

2. Uma ileíte terminal aguda isolada pode ser causada por condições reumatológicas, pelo consumo de AINEs ou por infecções intestinais designadamente infecções causadas por Yersinias.

3. Yersinias


3.1. Duas bactérias

O género Yersinia (aeróbicas, Gram negativas) integra 18 espécies, 3 das quais são patogénicas para o homem. A Y.pestis e duas estirpes enteropatogénicas (a Y enterocolitica e a Y pseudotuberculosis). Todas as estirpes de Y pseudotuberculosis são patogénicas, mas isso acontece apenas com algumas estirpes de Y enterocolitica. Na maioria dos países a Yersinose intestinal é causada pela Y enterocolitica (em França, mais de 90% das Yersiniose intestinais são causadas pela Y.enterocolitica) que parece ser a terceira causa de diarreias de origem bacteriana na Europa. A Y pseudotuberculosis pode invadir os gânglios linfáticos regionais e aumentar a permeabilidade dos vasos linfáticos

3.2. Aquisição

A Y. enterocolitica encontra-se com frequência em bovinos, suínos e caprinos compreendendo-se que a sua aquisição se relacione com a ingestão de carne de porco mal confeccionada ou de derivados do leite. A Y pseudotuberculosis isola-se mais vezes de pássaros, roedores e lagomorfos (coelhos, lebres). É excepcional encontrá-la em produtos alimentares. Vegetais contaminados com água podem ser também origem da infecção em ambos os casos. Estas bactérias sobrevivem e proliferam às temperaturas de refrigeração e mantêm a sua viabilidade em armazenamento a vácuo.

3.3. Clínica

A maioria dos casos são esporádicos embora possam aparecer agregados. A infecção ocorre predominantemente em crianças com menos de 10 anos de idade. Trata-se de uma doença que cursa para uma resolução espontânea embora possa suscitar o diagnóstico de apendicite na sua fase aguda. Existem igualmente formas sistémicas em doentes imunodeprimidos (diabetes, sobrecargas de ferro, cirroses, neoplasias).

Tem um período de incubação de 4 a 6 dias. A infecção aguda pode causar ulcerações da mucosa, geralmente no ileon terminal (ocasionalmente no ascendente); lesões necróticas nas placas de Peyer; tumefacção dos nodos linfáticos mesentéricos. Daí resulta diarreia que pode ser sanguinolenta; dores abdominais; febre de baixo grau; náuseas ocorrem em 15 a 40% dos casos. A duração da diarreia vai de 12 a 22 dias. A infecção resolve-se em algumas semanas com ou sem antibióticos. Nas crianças domina um quadro centrado na diarreia, nos adultos as dores são a manifestação dominante.

Raramente desenvolve-se uma enterocolite necrotizante que pode culminar numa perfuração intestinal. Uma artrite pode surgir 1 a 4 semanas depois da infecção; afecta mais vezes joelhos e tornozelos sendo as articulações afectadas de modo sequencial; costuma surgir um mês depois do acesso diarreico inicial, pode persistir vários meses.

As infecções por Y pseudotuberculosis podem progredir a uma bacteriémia sendo frequente a existência de uma septicémia. Existem descrições de complicações sépticas metastáticas (abcessos hepáticos, esplénicos, cutâneos ou uma artrite séptica) especialmente em individuos imunocomprometidos ou em doentes alcoólicos, com sobrecargas de ferro ou diabéticos. Choque séptico neste contexto foi descrito. Na convalescença desta infecção ocorre por vezes uma descamação da porção terminal das extremidades.

3.4. Diagnóstico

1. Existem testes serológicos contra as proteínas do invólucro externo. Os níveis dos anticorpos começam a subir na primeira semana, atingem o seu máximo na segunda semana para desaparecerem 3 a 6 meses depois da infecção. Em alguns casos persistem anos.

2. A bactéria pode ser isolada do sangue, mas mais vezes das fezes. As culturas de fezes efectuadas a 37C por 24 horas não são apropriadas para obter colónias de Y na medida em que a sua temperatura óptima de crescimento é bastante inferior. Por outro lado, o seu isolamento em meios selectivos exige processos de enriquecimento demorados. Finalmente, no caso da Y enterocolitica é necessário avaliar que estirpe está presente na medida em que nem todas são patogénicas.

Deve acentuar-se que identificação de bactérias patogénicas nas fezes se realiza actualmente por testes diagnósticos independentes da cultura. Para as Yersinas existem imunno assays específicos para bactérias patogénicas usando anticorpos monoclonais para os serotipos 2/O:9 e 4/O:3 da Y enterocolitica e para os serotipos I e III da Y. pseudotuberculosis.

3. A endoscopia costuma encontrar úlceras aftoides no cego; no ileon terminal podem encontrar-se úlceras ou pequenas elevações. O lado esquerdo do colon raramente (se é que alguma vez) é afectado. As lesões podem existir ainda 5 semanas depois do quadro se iniciar. Não se desenvolvem fistulas nem estenoses.

4. Tratamento

Uma forma severa pode exigir fluidos e electrólitos. Eventualmente admissão hospitalar nos velhos, imunocomprometidos, hemodialisados, diabéticos, doentes com sobrecarga em ferro, alcoólicos. Estas bactérias são sensíveis à ciprofloxacina, ao cotrimoxazol e aos aminoglicósidos.

5. Crohn e Yersinias

Propôs-se que certas espécies de Yersinia poderiam contribuir para a ocorrência ou para a persistência da inflamação na doença de Crohn. A Cold Chain Hypothesis para explicar a doença de Crohn foi proposta em 2003. O desenvolvimento de técnicas de refrigeração levou ao aparecimento de bactérias capazes de se desenvolverem a temperaturas próximas ou inferiores a 0ºC. Estas bactérias designadamente as bactérias do género Yersinia seriam capazes de induzir inflamação na parede intestinal de indivíduos susceptíveis.

Sabe-se, contudo, que estas bactérias existem em amostras da parede ileal numa mesma proporção de indivíduos normais ou de doentes com Crohn (cerca de 10% dos doentes). Os diversos tratamentos a que os doentes com esta patologia estão sujeitos não influenciam a frequência da infecção.


Terminal Ileitis due to Yersinia Infection: An Underdiagnosed Situation
John K. Triantafillidis, Thomas Thomaidis and Apostolos Papalois

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