1. INTRODUÇÃO
1. Causas
As insuficiências suprarrenais primárias (que se designam de doença de Addison) podem ser agudas causadas por coagulopatias (primitivas ou induzidas pela medicação) ou por infecções (menigococos, sepsis diversas). As insuficiências suprarrenais primárias podem também ter um curso arrastado; neste caso têm uma base autoimune, mas também infecciosa ou neoplásica.
Na forma primária de curso arrastado, a doença tem as mais das vezes uma base autoimune e uma predominância pelo sexo feminino. Nestes casos a existência de um síndroma poliglandular é comum. Em senhoras entre os 20 e os 40 anos que tenham uma história de doença endócrina autoimune (diabete mellitus insulinodependente, doença tiroideia autoimune, hipogonadismo primário) a doença de Addison deve estar sempre na mente como um concomitante possível. Estas formas podem culminar numa crise suprarrenal se não forem detectadas e tratadas em devido tempo sabendo-se que 50% dos doentes com uma crise desse género teriam sintomas há mais de 6 meses.
Classicamente, via-se mais vezes a insuficiência suprarrenal secundária em doentes que consumiam corticoides para diversos quadros inflamatórios. Outras formas secundárias podem ocorrer se houver compromisso da hipófise ou do hipotálamo. As formas secundárias são consequência ocasional do uso dos inibidores do check point como o pembrolizumab embora a carbamazepina e o cetoquenazol sejam mais vezes incriminadas.
2. Manifestações clínicas
2.1. A insuficiência suprarrenal pode manifestar por uma crise aguda que na realidade é um choque, resistente às catecolaminas, associado a uma hiponatrémia e a hipercaliémia. Não sendo correctamente identificada tem um curso fatal.
2.2. Esta crise suprarrenal pode ser de instalação súbita (por exemplo após uma hemorragia na glândula desencadeada por uma qualquer hipocoagualabilidade sistémica severa). A insuficiência suprarenal primária mais comum tem geralmente um curso prolongado no qual se enxerta eventualmente uma crise desencadeada por uma agressão aguda, as mais das vezes uma infecção digestiva.
2.3. Durante meses doentes com uma insuficiência suprarrenal em desenvolvimento podem simular uma doença digestiva (anorexia, náuseas, vómitos, dores abdominais; alteração dos hábitos intestinais); mas também uma doença muscular (dores musculares, miastenia); eventualmente uma depressão (fraqueza, abatimento outras vezes confusão e traços psicóticos); outras vezes são diabéticos tratados com insulina que manifestam hipoglicémias inesperadas. Outras vezes andam rotulados como portadores de neoplasias com foco primário desconhecido. Sabe-se que apenas 30% dos doentes recebem o diagnóstico apropriado nos 6 meses que se seguem à instalação dos primeiros sintomas.
2.4. Quase todos estes doentes têm, contudo, hiperpigmentação (mais vezes nas palmas das mãos, na boca, nas superfícies extensoras); muitos têm uma perda de peso significativa e uma anemia; a normalização de um quadro prévio de hipertensão arterial ou uma hipotensão arterial ortostática são comuns.
2.4. A insuficiência suprarrenal em evolução tem, nas suas fases mais precoces, sintomas muito pouco específicos. Acrescente-se que a sua baixa in incidência (100 a 140 casos por milhão de habitantes por ano) faz com que o seu diagnóstico seja retardado e efectuado numa altura em que uma crise leva os doentes aos serviços de urgência com um colapso cardiovascular.
3. Aqui descreve-se um caso paradigmático. Um quadro de nauses e de vómitos numa diabética sugeriram uma gastroparésia quando na realidade a insuficiência supra renal estava já em desenvolvimento.
2. CASO CLíNICO
1. Caucasiana de 31 anos com diabetes com bomba de insulina desde os 2 anos e hipotiroidismo admitida por náuseas e vómitos com 2 semanas de evolução. Havia fadiga, fezes moles, desconforto abdominal e perda de peso. Sem defesa abdominal. Analiticos fundamentais normais sem corpos cetónicos. Suspeitou-se uma gastroparésia diabética tendo sido tratada com eritromicina.
2. Duas admissões nos 15 dias subsequentes com o mesmo quadro de náuseas e de vómitos. A doente tinha perdido cerca de 10 kgs. Nenhuma evidência de ceto acidose diabética. Exame fisco não contributivo. Ecografia abdominal e endoscopia digestiva alta normais. Sustentou-se de novo o diagnóstico de gastroparésia diabética. Iniciou alimentação parentérica total.
3. O doseamento casual de ACTH (433 pg.ml) e do cortisol (indoseável) efectuados 3 dias depois da admissão sugeriram uma insuficiência suprarrenal. Tratada com metilprednisolona os seus sintomas desapareceram permitindo a conversão para prednisona e fluorcortisona por via oral.
3. CONCLUSÃO
1. A percepção de que está em constituição uma insuficiência suprarrenal num doente com contexto outro que permita uma explicação dos seus sintomas é um detalhe que não deve escapar a um médico experiente.
2. Lembrar todos os casos em que as queixas não pareçam enquadráveis num quadro clinico evidente ou seja cujas queixas não sejam sindromáticas. Nunca esquecer os casos de fadiga ou fraqueza intensas (que evocam quadros psiquiátricos ou doenças da tiróide) mas também todos os sintomas digestivos arrastados para os quais não existe uma explicação convincente.
3. Lembrar igualmente que as crises agudas se podem confundir-se com uma sepsis, com o choque hipovolémico ou com gastroenterites agudas.
4. Devemos solicitar o doseamento do cortisol plasmático (uma concentração ≥ 18 ug.dl exclui o diagnóstico) e do ACTH. Estas anomalias associam-se a hiponatrémia na fase aguda também a hipercaliémia, sinais da deficiência em mineralocorticoides.