Um Caso de Artralgias, Vómitos e Emagrecimento

M.E.S., feminino, 60 anos queixava-se de um quadro arrastado de vómitos sem relação temporal com a ingestão de alimentos, artralgias migratórias, tosse persistente não produtiva de curso arrastado e de emagrecimento de cerca de 7 kgs. Ao mesmo tempo havia uma marcada anorexia. A doente não tinha diarreia nem sinais ou sintomas de focalização neurológica. Tem sido tratada de uma anemia ferropénica (Hb 7.2 gr% e ferritina baixa) com compostos com escasso conteúdo em ferro (Folifer). Tinha sido sujeita a múltiplas investigações prévias designadamente várias endoscopias digestivas altas sem que se esclarecesse a causas das suas queixas.

O caso foi-nos presente para uma segunda opinião. Uma nova endoscopia levantou a forte suspeita de doença de Whipple que a biópsia também sugeriu (IMP Diagnostics. H 2100-16077… numerosos macrófagos na lâmina própria de D2 com grânulos PAS-D positivos). A doente foi medicada durante 14 dias com 2 g de Ceftriaxone por dia para passar depois para o esquema de cotrimoxazol. Embora a doente tivesse rapidamente conseguido uma recuperação ponderal assinalável, não tolerou a persistência do antibiótico referido (ardor nas mucosas da cavidade bucal que apreciam edemaciadas e fissuradas) pelo que foi colocada sob um esquema de doxiciclina e plaquinol que tem sido bem tolerado. O seu bem estar e a sua recuperação ponderal são cada vez mais evidentes.

A DOENÇA DE WHIPPLE

1. Trata-se de uma doença rara (prevalência inferior a 10 casos por milhão de habitantes) que mais vezes afecta o sexo masculino (87% dos casos descritos) causada pelo Tropheryma whipplei. Na sua forma clássica, a doença tem duas fases. Numa primeira, que pode decorrer ao longo de vários anos, o quadro é dominado por artralgias migratórias (presentes até 90% dos doentes), episódicas num compromisso articular simétrico por vezes associadas a febre de baixo grau. Mais tarde surge diarreia (presente em 81% dos doentes) e perda de peso (presente em 93%).

Com frequência existe um compromisso neurológico produzindo alterações cognitivas que podem evoluir à demência. Metade destes doentes têm alterações de personalidade. Movimentos involuntários dos globos oculares são frequentes em fases evoluídas. O compromisso neurológico é sempre de muito mau prognóstico.

Um compromisso pulmonar existe em cerca de 40% dos casos podendo surgir infiltrados ou derrames pleurais. Adenopatias mediastínicas são frequentes. Uma endocardite associada a culturas negativas tem também sido descrita.

Saliente-se que existem formas ditas localizadas sem compromisso digestivo. Aparecem como endocardites, artrites ou infecções neurológicas de tradução variável (compromisso cognitivo, outras vezes psiquiátrico, oftalmoplegias).

2. Acredita-se que a bactéria exista no meio ambiente sendo que apenas uma minoria das pessoas expostas vem a desenvolver a doença. A bactéria invade os macrófagos onde se multiplica.

3. O aspecto endoscópico é muito típico, mas a sua raridade não permite a fácil identificação da doença. As biopsias mostram a presença de inclusões nos macrófagos da lamina própria de D2. A bactéria pode ser identificada usando técnicas de amplificação molecular com identificação genómica (PCR), mas não cresce nos meios de cultura conhecidos.

4. A doença não sendo tratada é invariavelmente fatal. O tratamento envolve a administração de cotrimoxazol (960 mg, duas vezes por dia) que é precedido pela administração de ceftriaxone (2 g dia durante duas semanas). Em alternativa sugere-se um regímen de doxicilina (200 mg dia) associada a uma agente alcalinizante (hidroxicloroquina, 200 mg 3id) que seria o único regímen bactericida em relação a esta bactéria. Em ambos os casos se preconiza um tratamento prolongado (pelo menos 12 meses).

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