Polineuropatia Amiloidótica Familiar de Tipo 1

1. FACTOS

As amiloidoses podem ser adquiridas ou hereditárias. As amiloidoses familiares são diferentes consoante a proteína que gera a amiloide. Na forma que existe em Portugal a proteína em causa é a transtirretina (TTR). A TTR é principalmente sintetizada no fígado mas também no plexo coroideu e nas células da retina. Transporta tiroxina e retinol (daí o seu nome: trans-tir-ret). Trata-se de um tetrâmero. São conhecidas mais de 150 mutações que podem causar a sua dissociação em monómeros que agregam no espaço extra-celular formando fibrilhas. A mutação existente em Portugal afecta a posição 30 (Val30Met). Neste caso as fibrilhas acumulam-se no sistema nervoso onde destroem as células de Schwan.

Trata-se de uma doença autossómica dominante, mas nem todos os indivíduos que albergam o gene defeituoso virão a desenvolver sintomas: aos 50 anos, a penetrância é de 60% nas famílias portuguesas. Por outro lado, na mesma família a idade de ocorrência dos sintomas e o seu ritmo de evolução podem variar bastante.

2. SINTOMAS

Na forma portuguesa uma polineuropatia, envolvendo inicialmente os membros inferiores, instala-se geralmente no início da terceira década de vida. Os doentes começam por se queixar de dormência e de dores espontâneas nos pés. O compromisso sensorial atinge segmentos cada vez mais proximais e virá a afectar também os membros superiores. Ao mesmo tempo, ocorre um compromisso motor que torna o andar cada vez mais difícil e virá também a comprometer os movimentos das mãos.

À medida que a doença evolui instala-se um compromisso do sistema nervoso autónomo. A disfunção autónoma pode afectar o aparelho digestivo (diarreias de predomínio post prandial ou noutros casos obstipação culminando em violentos acessos diarreicos), o aparelho circulatório (hipotensão ortostática, perturbações severas na condução, arritmias, cardiomiopatia restritiva), ou o aparelho urinário (disúria ou retenção urinária) sendo que estas anomalias raramente precedem as manifestações sensoriomotoras. Uma disfunção eréctil é comum.

Uma falência renal progressiva (depósitos de amiloide no rim, dificuldades de ajustamento circulatório, infecções recidivantes) ocorre num terço dos doentes acompanhando-se geralmente de uma anemia. Um emagrecimento acentuado é comum a partir de uma certa fase de evolução.

Diminuição da acuidade visual resultado da acumulação de TTR no vítreo são muito comuns.

3. DIAGNÓSTICO

A presença de uma polineuropatia sensório motora associada a um compromisso autonómico num doente com história familiar de neuropatia evoca sempre o diagnóstico. Nos casos sem antecedentes familiares conhecidos ou nos casos que se apresentam sem a polineuropatia ser evidente, as dificuldades diagnósticas são maiores.

Os resultados de uma electromiografia dos membros inferiores raramente são normais mesmo nas fases precoces. Uma biópsia das glândulas salivares, de tecido muscular ou da gordura abdominal podem evidenciar a amiloide, mas uma biopsia negativa não exclui a doença.

Testes genéticos, procurando a mutação, são mandatórios variando a sua natureza com a capacidade de cada laboratório.

4. TRATAMENTO

As dores neuropáticas são muito incomodativas nesta doença. A gabapentina ou a pregabalina podem ser uteis. Para a hipotensão ortostática, meias elásticas e correcção da desidratação podendo ser necessário usar midodrine.

Se os doentes vomitam podem ser necessários procinéticos mas muitas vezes os vómitos são apenas sinal de desidratação. As perturbações digestivas surgem, muitas vezes, no contexto de um sobrecrescimento bacteriano que deve ser tratado.

Cateterização intermitente pode ser necessária para esvaziar a bexiga. A disfunção eréctil pode exigir inibidores da fosfodiesterase ou a uso de próteses. Implantação de pace maker é necessária em muitos casos. Diálise ou transplante renal podem ser necessários.

Existem substâncias capazes de estabilizar o tetrâmero. O Tafamidis é uma molécula desse género. 68% dos doentes assim tratados estabilizam no curto prazo a doença neurológica e mantêm os seus parâmetros nutricionais, mas os efeitos no longo prazo são controversos. O Diflunisal (um AINE) terá os mesmos efeitos, mas tem significativos efeitos colaterais potenciais neste contexto.

A transplantação hepática impede a formação de depósitos de amiloide ao remover a sua origem. A sobrevida dos indivíduos transplantados é de 92% aos 5 anos. Deve ser efectuada cedo no curso da doença. Mais de 90% dos doentes estabilizam a sua neuropatia sensorial embora não exista recuperação da neuropatia. A transplantação não tem efeito sobre as complicações cardíacas ou oculares da doença. Não deve ser efectuada em portadores assintomáticos da mutação dada a penetração incompleta da mutação. Também não deve ser efectuada na presença de uma polineuropatia severa, de uma disautonomia importante ou de um mau estado nutricional.

Planté-Bordeneuve, V.; Said, G
Familial amyloid polyneuropathy
Lancet. Neurology.2011.10.1086-97


Planté-Bordeneuve, V
Trnasthyretin familial amyloid polyneuropathy: an update
J.Neurology.2018.265.976-83

Scroll to top