A Endometriose Causa Comum de Dores Pélvicas

EM GERAL

1. Endometriose é a presença de tecido semelhante ao endométrio fora da cavidade uterina. Trata-se de uma causa frequente de dores pélvicas e de dismenorreia. Afecta pelo menos cerca de 5% das mulheres em idade fértil, mas 90% se essas doentes tiverem dores pélvicas crónicas. Trata-se de uma causa comum de infertilidade. A idade média ao diagnóstico é de 27 anos (50% das senhoras diagnosticadas entre os 19 e os 29 anos). .

2. Existem 2 tipos de endometriose: uma endometriose superficial, assumindo as lesões peritoneais cor variada; uma endometriose profunda, infiltrante que implica que as lesões se estendam sob peritoneu por mais que 5 mm. Esta forma caracteriza-se pelo aparecimento de nódulos em diversos locais da cavidade pélvica.

LOCALIZAÇÕES

1. Nos ovários que são a localização mais comum da endometriose assume formas particulares. Assim, pode surgir como implantes superficiais com menos de 5 mm. Podem existir quistos nos ovários com menos de um cm, múltiplos e bilaterais. Podemos também ter implantes profundos com hemorragias cíclicas resultando em endometriomas que são pseudo quistos com conteúdo hemorrágico; costumam ser multiloculares e bilaterais.

2. Lesões de endometriose no tracto urinário associam-se a outras localizações pélvicas em mais de metade dos casos. A bexiga é o órgão mais vezes envolvido (85% dos casos) seguido pelos ureteres (9%), rins (4%) e uretra (2%). Estas localizações podem coexistir. A endometriose vesical costuma ser multifocal sendo o trígono e a cúpula os locais mais vezes envolvidos. Nos ureteres, são os 3 a 4 cm acima da junção com a bexiga que concentram a maioria dos casos. Pode haver implantes apenas superficiais ou podem infiltrar a camada muscular formando massas; raramente infiltram a camada mucosa. Estas duas formas podem coexistir.

A endometriose ureteral ou a fibrose que se lhe associa podem distorcer a normal anatomia. Tem um predomínio esquerdo associando-se com frequência a endometrioma e a nódulos recto vaginais maiores que 3 cm. O diagnóstico é sempre difícil quando não se associa a obstrução e a dilatação proximal.

3. Implantes superficiais sobre a superfície anterior do útero ou uma endometriose infiltrativa profunda com a mesma localização podem levar a que esta superfície adira ao peritoneu que cobre a cúpula vesical levando à obliteração da bolsa vesicouterina.

Os ligamentos redondos que se estendem lateralmente a partir dos cornos do útero ficam espessados (mais de um cm), nodulares, irregulares quando afectados. Podem associar-se a hemorragias e a aderências peritubares que podem ser causa de infertilidade.

A área retrocervical atrás do colo do útero e acima do septo rectovaginal é um local frequente de endometriose profunda. Estas lesões determinam a oclusão da bolsa de Douglas a retroversão uterina. Pode condicionar aderências múltiplas e distorção da anatomia pélvica. Com frequência coexiste endometriose dos ligamentos uterosagrados que são, aliás, a localização mais comum da endometriose profunda.

4. A endometriose rectosigmoideia associa-se com frequência a outras localizações pélvicas. Os implantes envolvem a serosa, mas podem invadir as camadas musculares ou mesmo a submucosa. Raramente são capazes de erosionar a mucosa e causar hemorragias cíclicas. Afectam mais vezes a parede rectal anterior. Podem causar aderências, estenoses ou oclusões intestinais. Podem criar confusão com um carcinoma.

5. 12% dos doentes com uma endometriose pélvica têm localizações extra pélvicas. As mais relevantes do pongo de vista clinico e terapêutico são as localizações diafragmáticas e as localizações no nervo ciático. A endometriose diafragmática é sintomática em 49% dos casos. As lesões costumam localizar-se à direita e posteriormente.

EXPRESSÃO CLÍNICA

1. Os sintomas da endometriose são muito variáveis costumando existir uma considerável demora em se conseguir este diagnóstico: desde as queixas iniciais até se formular podem decorrer mais de 7 anos. O seu diagnóstico deve considerar-se em todas as senhoras em idade reproductiva com dores pélvicas ou infertilidade.

2. 52% das doentes têm dores pélvicas associadas à menstruação (existem em 45% das senhoras sem endometriose, OR 1.6) mas em 36% dos casos estas dores não se associam à menstruação (existem em 14.3% das senhoras sem endometriose. OR 4.1). Cerca de 30% das senhoras com endometriose têm dispareunia (existe em 13.4% das senhoras sem endometriose. OR 3.1). As senhoras com endometriose têm mais vezes dois ( 23.6% vs 13.4%) ou três dos sintomas citados (13.9% vs 3.7%) que as senhoras sem endometriose. Uma percentagem importante das senhoras com endometriose consideravam os sintomas severos (na ordem citada 34.4 vs 17.2%%,17.8 vs 9.4%, 18,2 vs 8.8%).

3. As doentes com endometriose têm mais vezes depressão (41% vs 26%), cancro da mama (2.4 vs 0.7), cancro do ovário ( 2.8 vs 0.7%), doenças inflamatórias intestinais ( Crohn 4.3% vs 1.1%; Colite ulcerosa 4.5% vs 1.9%) bem como factores de risco cardiovascyular.

4. A endometriose profunda pode associar-se a sintomas mais especificos que dependem da sua localização. Assim, as lesões que envolvem o fundo de saco de Douglas e os ligamentos uterosagrados associam-se a dispareunia. As lesões na bexiga associam-se a disúria mas também a perdas hemorrágicas ciclicas, a polaquiuria, a urgência vesical, a um desconforto ou a dores supra púbicas; a incontinência urinária. Localizações uretrais podem associar-se a dores nos flancos. Os infiltrados rectais e recto sigmoideus podem associar-se a dores na defecação, a hemorragias cíclicas, a cólicas abdominais, a obstipação, a fezes afiladas. As lesões vaginais associam-se a dispareunia, a spotting após o coito, a menstruações prolongadas. As lesões ováricas e os implantes peritoneais mais vezes a dismenorreia (existe em 75% dos casos de endometriose);

DIAGNÓSTICO

1. Os implantes peritoneais superficiais têm geralmente menos de 1 cm de diâmetro. Têm um aspecto micronodular ou microquistico em RM.

2. O diagnóstico de endometriose infiltrante profunda envolve a visualização directa (laparoscópica de preferência) que permite a colheita de biopsias. A abordagem imagiológica envolve as ecografias transrectais ou transvaginais (lesões hipoecogénicas com componentes quisticos eventuais) e a ressonância magnética.

3.1. A sensibilidade da ecografia transvaginal no diagnóstico da DIE é de 83.3% para uma especificidade de 46.1%. Estes valores variam com a localização das lesões. Assim para o diagnóstico de lesões nos ligamentos uterosagrados a sensibilidade é de 70.8 e a especificidade de 92.7%; no septo rectovaginal os valores são 86.3% e 94.8%.

3.2. A sensibilidade da ecografia transrectal no diagnóstico da DIE é de 80.5% para uma especificidade de 18.6%. Estes valores variam com a localização das lesões. Assim para o diagnóstico de lesões nos ligamentos uterosagrados a sensibilidade é de 82.7 e a especificidade de 89.7%; no septo rectovaginal os valores são 84.0% e 93.7%.

3.3. A sensibilidade da ressonância magnética no diagnóstico da DIE é de 90.4% para uma especificidade de 66.1%. Estes valores variam com a localização das lesões. Assim para o diagnóstico de lesões nos ligamentos uterosagrados a sensibilidade é de 63.5 e a especificidade de 93.9%; no septo rectovaginal os valores são 72.7% e 95.2%.

4. Há quem sugira que se deve iniciar o diagnóstico por uma ecografia transrectal ou por uma ecografia transvaginal reservando-se a RM para os casos em que esta modalidade não seja conclusiva.

TRATAMENTO

1. O tratamento hormonal para as dores associadas à endometriose centra-se sobre a supressão esterogénica e sobre a inibição da proliferação celular e da inflamação. A contracepção oral (combinada ou progestativa) usa-se como tratamento de primeira linha da dismenorreia e das dores pélvicas crónicas. Os antagonistas da gonadotrofina releasing hormone são tratamentos de segunda linha que suprimem os níveis sistémicos de esterogénios.

2. Se as dores não responderem a manipulações hormonais pode considerar-se a cirurgia com o objectivo de destruir ou remover todo o tecido endometriótico e as correspondentes aderências. A remoção endoscópica da endometriose é eficaz para melhorar a fertilidade em casos ligeiros. Não há evidência de que a cirurgia melhore a fertilidade em casos moderados ou severos de endometriose.

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imagem: Blausen.com staff

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