O DIAGNÓSTICO DOS TUMORES NEUROENDÓCRINOS (TNEs) DIGESTIVOS
1. Os TNEs são diagnosticados, em tempos recentes, com uma frequência crescente em diversas partes do Mundo. Os TNEs que se originam no tubo digestivo ou no pâncreas representam mais de metade de todas as neoplasias endócrinas. A maioria destes tumores não são funcionantes manifestando-se pelo efeito de massa ou pela descoberta de metástases.
2. Numa fase evoluída os TNE secretores podem ter quadros característicos, fáceis de identificar quando atingem o seu período de estado. Numa fase mais precoce as suas manifestações clínicas podem ser confusas por se centrarem sobre sintomas banais. Assim por exemplo os TNEs do delgado podem causar uma fibrose extensa do mesentério que pode causar dores abdominais recidivantes por obstrução ou isquémia.
3. Os TNEs digestivos podem ser muito inespecificos na sua apresentação o que leva a delongas no seu diagnóstico. Haverá um intervalo de cerca e 52 meses entre os primeiros sintomas e o diagnóstico correcto. Cerca de 21% terão já metástases na altura do diagnóstico.
4. Os marcadores das neoplasias NE podem distinguir-se em comuns, ou seja, de largo espectro (cromogranina A; polipéptido pancreático; enolase) ou especificos de acordo com as hormonas que cada um produz (serotonina, gastrina, glucagina e por aí adiante).
CROMOGRANINA
A cromogranina A (CgA) que é uma glicoproteína que existe nas vesiculas densas e grandes das células NE. O seu papel principal é mediar a exocitose mediada por cálcio. A CgA foi reconhecida como o marcador mais importante dos TNEs funcionantes ou não funcionantes. Níveis elevados de CgA associam-se a quase todos os tipos de TNE embora nos tumores pancreáticos não funcionais e não metastáticos apenas exista elevação de CgA em 27% dos casos.
2. Sensibilidade e suas questões
1. O valor mediano para CgA sérica em doentes com TNEs digestivos antes da ressecção, com recidivas ou com metástases depois de uma ressecção era de 121.2 ng.ml significativamente mais alto que no grupo sem lesões detectáveis após a cirurgia (42.7 ng.ml) ou em dois grupos de controle (40,5 e 41,4 ng.ml).
2. O valor mediano da CgA era mais elevado em doentes com TNEs gástricos (259,9 ng.ml) que em TNEs pancreáticos (161.9 ng.ml) ou intestinais (57.6 ng.ml). Os níveis em doentes com recidiva ou metástases era mais baixo do que o que se observava em doentes com lesões primárias ainda não tratadas (146,7 vs 103,2 ng.ml). Os valores séricos de CgA não se associam com o grau de diferenciação do tumor.
3. Problemas com a especificidade
3.1. A principal causa iatrogénica para a elevação de CgA é o bloqueio medicamentoso da secreção gástrica. Neste caso a hiperplasia das células G e das células enterocromafins levam ao aumento de produção de CgA pelo que a determinação da CgA exige uma suspensão pelo menos de uma semana de inibidores da bomba de protões.
3.2. Existem, além disso, causas não oncológicas capazes de provocarem elevação de CgA. Assim podem causar elevações da CgA a gastrite atrófica crónica; a infecção por H.pylori; as pancreatites crónicas; as doenças inflamatórias crónicas do intestino; as hepatites crónicas e as cirroses. Nas doenças cardiovasculares, contam-se a hipertensão arterial, a insuficiência cardíaca congestiva, os síndromas coronários agudos. Outras condições benignas com aumento de CgA são as doenças reumatoides, a DPOC, a insuficiência renal (que se pode associar a niveis muito elevados) ou o hipertiroidismo.
3.3. Alguns tumores endócrinos (carcinoma medular da tiroide, feocromocitomas, para ganglionomas) podem segregar CgA. Existe, além disso, um conjunto de tumores malignos não endócrinos que causam elevação de CgA. A maioria apresenta padrões de diferenciação neuroendócrina. Citam-se neste grupo carcinomas colorectais, gástricos, pancreáticos ou prostáticos. Existem também tumores sem a referida diferenciação NE que causam igualmente elevação de CgA (carcinoma hepatocelular e carcinoma da mama).
3.4. A curva ROC no estudo acima citado estabelece um limiar de 85.3 ng.ml com uma sensibilidade de 64.4% e uma especificidade de 92% no diagnóstico de TNEs do tubo digestivo ou do pâncreas, mas torna-se evidente que os valores da especificidade dependem da composição dos grupos de controle. Quanto mais se excluírem as causas citadas para falsos positivos, mais esta especificidade se aproxima de 100%.
CINTIGRAFIA
1. Perante a suspeita de um TNE podemos usar um método imagiológico transversal como a CT ou a RMN para encontrar a massa tumoral. Deve salientar-se que nas fases precoces podemos estar confrontados com uma formação de reduzidas dimensões difícil de encontrar.
2. Os TNEs bem ou moderadamente bem diferenciados exprimem receptores para a somatostatina nas suas membranas celulares podendo usar-se esta característica para os pesquisar. O primeiro análogo da somatostatina usado para localizar TNE foi o octreótido marcado com iodo 123. Desenvolveram-se posteriormente outros análogos, os DOTA péptidos (DOTATATE, DOTATOC, DOTANOC) todos derivados do octreótido. Estes compostos são marcados com Gálio são mais sensíveis que o octreoscan, necessitam de menos tempo para se concluir a investigação e utilizam uma menos dose de radiação.
3. Os tumores de alto grau de malignidade têm geralmente uma expressão reduzida ou nula destes marcadores à superfície; estes tumores tendem a ter elevados ritmos metabólicos e glicolíticos. Sâo por isso facilmente rastreáveis com FDG PET/CT.
4. Na realidade a melhor maneira de procurar estas lesões consiste em realizar PET/CT com dois marcadores diferentes: 18F-FDG, para avaliar o ritmo metabólico; 68-Ga DOTA péptido para demonstrar a expressão dos receptores de STH.
CONCLUINDO, parece-me que
na suspeita de um tumor neuroendócrino mais vale começar por uma abordagem cintigráfica como se descreveu que tentar usar marcadores gerais para as referidas neoplasias.
Marotta, V.; Zatelli, M. et al
Chromogranin A as a circulating marker for diagnosis and management of neuroendocrine neoplasms: more flaws than fame
Endocrine related cancer.2018.25.R11-R29
Consultar artigo.
Tirosh, A.; Kebebew, E.
The utility pf 68Ga-DOTATE positron-emission tomography/computed tomography in the diagnosis, management, follow up and prognosis of neuroendocrine tumors
Future Oncology.2018.14.111-22
Consultar artigo.
Zhang, C.; Huang, Y. et al
Serum chromogranin A for the diagnosis of gastroenetropancreatic neuroendocrine neoplasm and its associataion with tumor expression
Oncology Lett.2019.17.1497-504
Consultar artigo.